quarta-feira, 1 de junho de 2022

FAHRENHEIT 451: UMA REFLEXÃO SOBRE O AUTORITARISMO

Em um mundo distópico em que bombeiros incendeiam livros em vez de apagar incêndios, Fahrenheit 451 nos faz refletir sobre o individualismo, a violência e a alienação de sociedades autoritárias. Num mundo em que as pessoas são dependentes de uma tela e a literatura é transgressão, livros são objetos proibidos e quem os porta é criminoso. A obra, lançada em 1953, não nos deixa esquecer de um tempo em que nazistas usavam a queima pública de livros como espetáculo para o povo.

A OBRA
Um clássico da ficção-científica escrito por Ray Bradbury, Fahrenheit 451 alcançou o sucesso logo após seu lançamento, em 1953, e ganhou sua primeira adaptação cinematográfica em 1966, sob a direção do aclamado François Truffaut, um dos principais nomes do movimento artístico francês chamado de Nouvelle Vague. O título aponta a temperatura necessária para queimar papel: 451º Fahrenheit (ou 233º Celsius).
A obra conta a história de Guy Montag, um bombeiro cuja principal função é atear fogo em livros. Nesta sociedade distópica, em que as pessoas se distraem com telas brilhantes, ter um livro é considerado crime, o que dirá uma biblioteca!
Afinal, livros são ferramentas de livre-pensamento e imaginação perigosas, que só servem, segundo o chefe da brigada, para deixar as pessoas infelizes, inspirando sonhos impossíveis no mundo real.
Neste cenário totalitário, que não permite dissidências, Montag vive uma vida ordinária: da casa para o trabalho, do trabalho para casa; a rotina do lar e da esposa consomem seus dias fora do quartel. Sem questionar seu trabalho e em via de ser promovido, tudo parece estar em perfeita ordem até que conhece Clarisse, uma professora simpática, cheia de imaginação, boas histórias e um tanto suspeita. É esta adorável e misteriosa moça que desperta em Montag um desejo irrefreável por esses pequenos universos fascinantes que vestem folhas, tintas, lombadas e capas.
Fahrenheit 451 foi escrito inicialmente como um conto, O bombeiro, publicado no volume Prazer em Queimar: história de Fahrenheit 451; e, por incentivo do editor, acabou transformado em romance — tornando-se um dos livros mais importantes da sua época e também um dos mais censurados, veja a ironia, junto com obras indispensáveis como 1984, de George Orwell, e Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley. Foi adaptado mais de uma vez para o cinema, mas a versão mais celebrada é a do cineasta francês François Truffaut. O diretor colocou todo o seu amor pela literatura no longa, não é à toa que as cenas mais marcantes do filme são justamente as que a câmera percorre os montantes de livros — com suas capas e ilustrações belíssimas — sendo consumidos pelas chamas. A aparição idílica das Pessoas-Livro no filme confirma essa admiração de Truffaut pela literatura.
Apesar de ter ganhado inúmeras interpretações — que vão desde evocar o poder da palavra, a tolice de censurar a arte e até o retrato do burocrata que não questiona a vileza do seu ofício —, a obra tem forte ligação com o período em que foi escrita: a era do macarthismo e sua sistemática censura às artes, que dominou os Estados Unidos nos anos 1950. O autor mencionou algumas vezes que a proibição dos livros não foi o que o motivou a escrever a obra, mas sim sua percepção de que as pessoas passavam tempo demais em frente às novas mídias, como a televisão, e menos tempo com a literatura. Hoje, sufocados por fake news e pelo medo de ficar de fora do que acontece nas redes sociais, percebemos o quão atual o livro permanece. Num mundo que teme pelos governos totalitários que se espalham pelo globo, Fahrenheit 451 nos faz lembrar que o desejo pelo conhecimento e pela arte sempre será maior que as forças opressoras que insistem em ressurgir.

O AUTOR
Ray Douglas Bradbury foi um dos maiores escritores de ficção científica de sua geração e produziu em meio a “Era de Ouro” do gênero, mas não gostava de classificar suas obras como ficção científica e sim como fantasia. Ao longo de sua carreira, escreveu cerca de 400 contos e mais de 40 livros de diferentes gêneros. Sua obra é composta por romances, ensaios, contos, literatura infanto-juvenil, poesias, peças de teatro e roteiros para cinema e televisão.
Bradbury nasceu em 22 de agosto de 1920, na cidade de Waukegan, em Illinois (EUA), mas foi em Los Angeles que se fixou e começou sua carreira. Em 1938, conseguiu publicar pela primeira vez um de seus contos, na fanzine de ficção científica Imagination! (de Forrest J. Ackerman); o conto Hollerbochen’s Dilemma foi o caminho de entrada para o autor que passou a contribuir em várias revistas do mesmo segmento. A fama de Bradbury acontece com o lançamento do livro Crônicas Marcianas (1950), nos anos seguintes publica as obras de sucesso The Illustrated Man (1951) e Fahrenheit 451 (1953), considerada a obra-prima de sua carreira.  
Os universos criados por Ray foram adaptados em muitas produções cinematográficas como It Came from Outer Space (1953), O Monstro do Mar (1953), Fahrenheit 451(1966 e 2018), The Illustrated Man (1969), Something Wicked This Way Comes (1983), The Wonderful Ice Cream Suit (1998) e A Sound of Thunder (2005). O escritor também foi o responsável pelo roteiro adaptado do clássico Moby Dick (1956).
Ray Bradbury faleceu em 2012, aos 91 anos, mas, assim como em Fahrenheit 451, a existência de suas histórias no imaginário coletivo lhe torna imortal.