sábado, 6 de janeiro de 2024

Foi assim que aconteceu ...

Faz tantos anos e foi num lugar tão remoto que dá para contar agora e fazer de conta que não aconteceu. Eu estava servindo no exército, era atirador de elite acertava alvos fixos á 1000 metros de distância, tinha medalhas de franco atirador. Vivia viajando pelo Brasil, treinando equipes de snipers das maiores forças especiais do exército brasileiro. Era o responsável até os anos 90 pelo mais distante tiro de sniper. Atirei em um alvo distante 2.430 metros. Em cada cidade me hospedava em casas de funcionários do exército.  Desconhecidos que recebiam em suas casas, por 2 ou 3 dias, um franco atirador que vinha do comando central e tinha pouco tempo para transmitir uma porção de informações, treinar atiradores de elite, coisas assim. À noite a gente encerrava pelas 9 horas e ia em algum lugar tomar cerveja, relaxar, jantar alguma coisa.
Numa cidade de cujo nome não quero lembrar, fiquei na casa de um cara que durante a noite trabalhava noutra coisa. Me deu a chave da casa e a do outro carro dele. Almoçávamos juntos, mas à noite ele ia no outro “bico” que fazia e eu saía sozinho. Na minha última noite lá, saí para dar um rolé, fui comer numa palhoça. Lá pelo fim da noite, houve uma confusão e uns caras brigaram, caíram por cima da minha mesa. Troquei uns sopapos e uns insultos com eles. Coisa de bêbo. Depois tudo serenou e os amigos os levaram embora. Finalizei meu uísque, paguei e saí. Tudo deserto. O carro estava distante, era um bairro cheio de matagais, poucas casas, o restaurante já apagando as luzes. Quando dei por mim, um dos caras da briga me atacou. Tinha voltado e estava me tocaiando. Rolamos agarrados, felizmente ele não estava armado, porque era maior do que eu. Ele me deu uma gravata, eu estava apavorado, puxou com muita força, senti um estalo no pescoço, desmaiei e o cara afrouxou e saiu.
Ele já havia caminhado cerca de 500  metros na rua deserta, peguei a arma recarreguei colocando as bala de festim por ultimo, dei o aviso de alerta ele me olhou e levou o primeiro tiro que acertou o homem, atingindo-o no estômago, matando-o na hora, acertei o alvo móvel na primeira tentativa.
Fiquei uma eternidade ali, num terreno baldio cheio de moitas, caído no chão e o corpo do cara esfriando, até que o larguei. O que fazer agora? Ninguém tinha visto nada. Vou chamar a polícia?  Estragar minha carreira?  E o que ia dizer a minha mãe? Que tinha matado um cara sem nem saber quem era? Esse terreno onde eu estava parecia os fundos de uma vacaria, havia uns estábulos, umas cocheiras. Tudo fechado. E havia um poço tampado. Arrastei o cara e o despejei lá embaixo, ouvi os trambolhões da queda e o baque, pelo menos uns dez metros. Pus de novo a tampa de madeira, pesada. Peguei o carro, voltei, entrei sem ninguém me ver, tomei um banho, escondi as roupas sujas no fundo da mala. No dia seguinte viajei. Passei dez anos num verdadeiro inferno, esperando a toda hora uma investigação vagarosa chegar até mim. Nunca mais botei os pés naquele Estado. Quando ouço às vezes o nome da cidade, na TV, sinto uma pontada no coração, até hoje. É fogo. Mais de vinte anos depois e de certa forma eu continuo acordado no fundo daquele poço. Faz tanto tempo e foi num lugar tão longe que dá para contar agora e fazer de conta que é um conto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário